O guri
nasceu no Alegrete, na zona mais pobre
da cidadezinha do interior. Sua mãe tinha feições de índia e pele acobreada,
vivia de “bicos”; pai,
desconhecido. Foi da mãe que ele herdou a pele acobreada e os cabelos pretos e lisos. O guri foi se criando solto,
fazendo artes com a molecada.
Quando
Dirceu tinha uns 9 anos morreu-lhe a mãe que, mal ou bem, o sustentava. Ela foi
enterrada como indigente, lá nos fundos do Cemitério Municipal. Restou-lhe um
único parente, um tio, que não tinha como sustenta-lo e que resolveu doa-lo a alguém
que o quisesse.
Foi oferecido
a um casal jovem que tinha um filho pequeno, para cuidar do menininho. Foi
nesta casa que o conheci e foi aí que ele recebeu o apelido que o acompanharia:
Lagarto, por gostar muito de ovos.
Num dia
de finados esta família foi ao cemitério reverenciar seus mortos; Dirceu foi
junto, com algumas flores para colocar no túmulo da mãe; ele não encontrou o
túmulo, pois indigente não tem placa ou
cruz no túmulo que recebe. Ele deixou as flores jogadas lá no cemitério e
voltou muito revoltado; a partir daí,
fugia da casa onde estava e passava muito tempo na rua.
O casal
jovem decidiu que não tinha condições de ficar com ele e procurou o tio, para
devolvê-lo; o tio resolveu então doa-lo
para um morador do campo, dono de uma granja distante uma légua e meia da
cidade, onde ele poderia ser melhor vigiado e educado para o trabalho. O dono
da granja, Rafael, de arcanjo só tinha o nome: era rude, fanfarrão, arrotava à
mesa, batia nos filhos e empregados e maltratava a mulher.
Dirceu
entrou na linha, aprendeu toda a lida campeira e se fez homem trabalhando quase como escravo; nunca teve autorização de
Rafael para se afastar da granja. Com pouco mais de vinte anos, sem ter
qualquer documento ou registro, estava destinado a viver como escravo até o fim
dos seus dias, a menos que algo insólito acontecesse. O insólito aconteceu:
certo dia, cortando lenha no mato, Dirceu feriu um pé com o machado; foi levado
à cidade, ao Hospital da Santa Casa de Caridade, do qual Rafael era benemérito.
Ficou mais de um mês internado lá, para
curar o pé; quem o visitava neste período era Josias, filho mais velho de
Rafael, que descobriu que ele não era registrado e que não havia se apresentado
ao Serviço Militar.
Quando
ele teve alta, Josias o levou até o cartório, providenciou para que se registrasse, levou-o à Junta de
Recrutamento Militar, para que regularizasse sua situação e não fosse
considerado revel; dizem até que ele adotou o nome Lagarto no registro, por não
saber o nome correto de sua família; isto feito, Josias deu-lhe um cavalo
encilhado, algum dinheiro e o mandou ir cuidar de sua vida.
Foi assim que Dirceu Lagarto caiu
no mundo e se tornou dono de si.
4 comentários:
Muito bom, meu amigo. Pergunto se é ficção ou não. Um abraço
Valeu Aquiles. Parte é ficção, parte são fatos reais. Os nomes foram propositadamente trocados para preservar a identidade das pessoas. Um grande abraço.
Gracias, amigo. Um abraço
Muito bom!Parabéns, seu Francisco!
Postar um comentário