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segunda-feira, 15 de dezembro de 2014

DIRCEU LAGARTO


                O guri nasceu no Alegrete,  na zona mais pobre da cidadezinha do interior. Sua mãe tinha feições de índia e pele acobreada, vivia  de “bicos”;   pai, desconhecido. Foi da mãe que ele herdou a pele acobreada e os cabelos  pretos e lisos. O guri foi se criando solto, fazendo artes com a molecada.

                Quando Dirceu tinha uns 9 anos morreu-lhe a mãe que, mal ou bem, o sustentava. Ela foi enterrada como indigente, lá nos fundos do Cemitério Municipal. Restou-lhe um único parente, um tio, que não tinha como sustenta-lo e que resolveu doa-lo a alguém que o quisesse.

                Foi oferecido a um casal jovem que tinha um filho pequeno, para cuidar do menininho. Foi nesta casa que o conheci e foi aí que ele recebeu o apelido que o acompanharia: Lagarto, por gostar muito de ovos.

                Num dia de finados esta família foi ao cemitério reverenciar seus mortos; Dirceu foi junto, com algumas flores para colocar no túmulo da mãe; ele não encontrou o túmulo, pois indigente não tem placa  ou cruz no túmulo que recebe. Ele deixou as flores jogadas lá no cemitério e voltou  muito revoltado; a partir daí, fugia da casa onde estava e passava muito tempo na rua.

                O casal jovem decidiu que não tinha condições de ficar com ele e procurou o tio, para devolvê-lo; o tio resolveu então  doa-lo para um morador do campo, dono de uma granja distante uma légua e meia da cidade, onde ele poderia ser melhor vigiado e educado para o trabalho. O dono da granja, Rafael, de arcanjo só tinha o nome: era rude, fanfarrão, arrotava à mesa, batia nos filhos e empregados e maltratava a mulher.

                Dirceu entrou na linha, aprendeu toda a lida campeira e se fez homem trabalhando  quase como escravo; nunca teve autorização de Rafael para se afastar da granja. Com pouco mais de vinte anos, sem ter qualquer documento ou registro, estava destinado a viver como escravo até o fim dos seus dias, a menos que algo insólito acontecesse. O insólito aconteceu: certo dia, cortando lenha no mato, Dirceu feriu um pé com o machado; foi levado à cidade, ao Hospital da Santa Casa de Caridade, do qual Rafael era benemérito. Ficou mais de  um mês internado lá, para curar o pé; quem o visitava neste período era Josias, filho mais velho de Rafael, que descobriu que ele não era registrado e que não havia se apresentado ao Serviço Militar.

                Quando ele teve alta, Josias o levou até o cartório, providenciou para  que se registrasse, levou-o à Junta de Recrutamento Militar, para que regularizasse sua situação e não fosse considerado revel; dizem até que ele adotou o nome Lagarto no registro, por não saber o nome correto de sua família; isto feito, Josias deu-lhe um cavalo encilhado, algum dinheiro e o mandou ir cuidar de sua vida.
                Foi assim que Dirceu Lagarto caiu no mundo e se tornou dono de si.

4 comentários:

Aquiles Thaddeu disse...

Muito bom, meu amigo. Pergunto se é ficção ou não. Um abraço

Francisco Carlos D'Andrea (francari) disse...

Valeu Aquiles. Parte é ficção, parte são fatos reais. Os nomes foram propositadamente trocados para preservar a identidade das pessoas. Um grande abraço.

Aquiles Thaddeu disse...

Gracias, amigo. Um abraço

Rosalba disse...

Muito bom!Parabéns, seu Francisco!